Tomás e o Poder
-Poder... - olhava fixo pro horizonte, os olhos um pouco fechados (mas nao de sono, ele forçava um pouco para que ficassem um pouco fechados).
=Poder fazer o que, Tomás?
-Poder de poder... - explicou, sem muita paciência - Ter poder.
=Ah.
-Controle! Domínio! - agora gesticulava.
=Uhum.
-Liderar, ditar as normas, ordenar os súditos! Sabe, Conrado, eu sinto um grande vazio dentro de mim, uma peça que falta pra me completar. Acho que tenho a vocação - agora já virado para o amigo.
=Faz cursinho.
-Não, Conrado! Vocação para Rei! Um Rei soberano de suas próprias terras! Senhor dos seus domínios! Dá pra parar com o palito do picolé e prestar atenção, Conrado?
=Uhum.
-Por que nao vai no mar limpar a mão? Tá toda melada de picolé de limão e areia - às vezes Tomás perdia o foco.
=Depois.
-Como eu faço pra virar Rei? Tem que ter sangue real desde que nasce?
=Difícil consertar isso agora, neh?
-Pois é. E agora?
Tomás pensa fazendo muito esforço, como se franzir a testa aumentasse o rendimento do cérebro, mas quem fala é Conrado.
=Mas o primeiro Rei não tinha sangue real.
Tomás não cabe dentro de si. Parece que os olhos vão saltar de empolgação.
-É isso! O primeiro rei não era filho de rei, assim como eu! Ele deve ter achado uma terra sem dono e ter montado seu reinado!
=Ó. Taí um jeito.
-Vamos procurar uma terra sem dono, Conrado! - Tomás apontava para longe com o indicador, braço esticado, espírito de aventura no olhar.
=Em Capão da Canoa?
-Não, Conrado. Vamos entrar no meu iate à jato e desbravar os mares a procura de uma ilha deserta... Claro que é em Capão da Canoa! - às vezes perdia a paciência com a burrice do amigo.
=Ah. E como vamos saber que achamos?
Tomás parou. Por essa ele não esperava. Como identificar uma terra sem dono?
-Sei lá. Quando tem dono ou tem placa ou tem cerca...
=Hmmm...
-Que foi?
Conrado não respondeu. Levantou-se com o palito de picolé na mão e com ele fez um círculo na areia caminhando em volta de Tomás.
=Ta aí.
-O que?
=A tua terra. Tá demarcada aí a tua terra. Não tinha placa nem cerca quando chegamos.
Tomás abriu a boca. Levantou sem mudar nada na expressão congelada em empolgação. Abriu os braços, encheu o peito e gritou bem alto:
-Este é meu reino! Salve o Rei Tomás!
Os que estavam presentes não entenderam: um siri, que parecia perdido, parecia continuar perdido. E o homem velho que acordou cedo pra correr na praia nao parecia interessado naqueles dois e continuou correndo cedo na praia.
Os dois ficaram ali um tempo. Tomás, com olhar maligno de Rei Malvado Soberano Absoluto, olhava em torno de si o seu reino, as terras onde sua lei valia, onde ele ditava o que era o bem ou o mal. Conrado pensava nas combinações possíveis do jogo da velha desenhando com o palito na areia.
-Cuida aí pra mim - disse Tomás ao levantar, passados uns minutos, indo para casa.
=Vai escrever a constituição? Contratar um exército? Procurar terras pra expandir os domínios? Definir a bandeira?
-Jogar video-game.
=Mas e o reino?
-Não quero mais.
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